A ARTE COMO VIDA : sou uma gueixa - no ocidente
Sou uma gueixa: artista. Mulher que transita por várias linguagens artísticas.
"As gueixas têm um alto grau de liberdade que não é concedida às esposas, e se dedicam a uma carreira que pode ser seguida sem temor de serem despedidas aos 35 anos de idade. Não partilho o categórico desprezo ocidental às gueixas, que as considera cortesãs, nem concordo que sua profissão seja degradante e que necessite ser extinta para que as mulheres japonesas atinjam a igualdade com os homens." (Liza Dalby - trecho do livro Gueixa, p.13)
A ARTE COMO VIDA
A geração de japoneses que atingiu a maioridade imediatamente antes da guerra, ou durante seu curso, acredita ser a única que compreende a ideia de disciplina. Os que hoje estão na faixa dos 50 dizem que os jovens são frouxos e que não apreciam o treinamento rigoroso, aparentemente ignorando a dedicação passional a um ideal, porém altamente disciplinada, é rara em qualquer geração. Mas, para Sakarako e muitas outras gueixas que fiquei conhecendo, a disciplina de várias artes, a gei, literalmente infunde significado ao nome de sua profissão, gei-sha.
As artes praticadas pela gueixa são especificamente as da música e da dança tradicionais. A maneira pela qual essas artes são ensinadas é também tradicional, baseada na subordinação completa do aluno ao mestre. Com efeito, a disciplina de que se trata é tanto a disciplina de si próprio quanto o domínio técnico da forma de arte. Como as duas durante toda a vida sem chegar a atingir a mestria num sentido total.
Sakuro estava habituada à disciplina da dança. Aos poucos, passou a aceitar a ideia de que a mesma subordinação da vontade era necessária para dominar a conduta profissional da gueixa. A arte da gueixa transcende os tipos específicos e particulares da gei que elas praticam. O que atrai uma mulher como Sakurako a essa profissão é acima de tudo a decisão deliberada e consciente de fazer da arte a sua vida.
Essa escolha engendra uma consequência: se para uma gueixa a arte é vida, é também verdade que sua vida deve transformar-se em arte. A gueixa de esforça para que a arte a invada de tal forma que tudo o que faça seja decorrente dela, inclusive o modo pelo qual caminha, senta-se e fala. Para que esse ideal se torne verdade, é necessária uma vigilância constante, até que o comportamento e a atitude profissional exigidos se transformem em uma segunda natureza. Por mais exagerado que isso possa parecer aos não-japoneses, o polimento da vida e sua transformação em uma obra de arte é a ideia subjacente à disciplina de gueixa.
As gueixas são mais do que simplesmente artistas femininas tradicionais. Não fazem apenas vestir o quimono às seis horas da tarde, a fim de ir para o trabalho; suas vidas são muito mais integradas. O tempo pelo qual são pagas, as horas de banquete quando estão na presença de clientes, constitui nada mais do que os aspectos mais óbvios de suas vidas profissionais. Idealmente, o que a gueixa leva ao salão de banquete é uma elegância que foi cultivada, como uma orquídea rara, no ambiente especial do mundo de flores e salgueiros. A qualidade específica das gueixas, que lhes infunde certa mística, surge porque suas vidas são separadas da sociedade cotidiana. Hoje em dia, os muros que cercam seu mundo são a arte e a disciplina.
Esse é o ideal da gueixa. No entanto, cada comunidade e cada gueixa poderão conferir diferente ênfase aos elementos essenciais da profissão. Quanto maior for a ênfase na busca rigorosa da gei de cada uma, e quanto mais coesa e interligada for a comunidade, com maior probabilidade a gueixa considerará seu mundo como uma vocação que absorve completamente seu tempo, sua energia e sua percepção de si mesma.
Quando a gei da gueixa é colocada em posição secundária em relação ao glamour, e quando a comunidade fica fragmentada porque a gueixa vive em seu próprio apartamento em vez de morar na casa de gueixas, a tendência a considerar o trabalho como emprego é muito mais pronunciada. Não admira que as gueixas de Quioto, antiga capital e mais conservadora, provavelmente se considerem gueixas em todos os momentos, e que façam disso o princípio definidor de suas vidas. Na moderna Tóquio, é mais provável que uma gueixa de Shimbashi se sinta assim do que outra que trabalhe em Akasaka.
Trecho do livro Gueixa de Liza Dalby (antropóloga e especializada em cultura japonesa)
Meu adorável caos, onde desenvolvo minha gei Keep walking, Adriana. |
Lamentavelmente o ocidente ainda tem um olhar bastante equivocado em torno deste universo tão peculiar e comentem gafes memoráveis como da feminista americana Susan Brownmiller nesse "elogio" a John Lennon quando diz que Yoko Ono 'em nada se presta ao papel de gueixa' - isto é, que não é dócil, subserviente ou passiva. ("Yoko and John", Rolling Stone, 22 de janeiro de 1981.
Yoko nasceu em 1933 e vem de uma família muito rica de Tóquio, no Japão. Ela estudou nos melhores colégios e depois da Segunda Guerra Mundial mudou-se para os Estados Unidos, onde renegou a fortuna da família e passou a se dedicar às artes.
A japonesa conheceu Lennon no final de 1966, quando o cantor visitou uma galeria em Londres onde ela estava expondo. Lennon se encantou por uma obra de Yoko em que subia as escadas, e no teto havia uma lupa com a palavra Sim!. Conforme ele avançava a escada, a palavra ficava mais nítida. John se apaixonou na hora. "Ela podia ter escrito qualquer coisa; guerra, sexo, morte. Mas ela escreveu 'sim', tudo que eu precisava naquele momento." Para saber mais
Ela abriu mão da herança familiar, dedicou sua vida à arte e encantou - com sua gei - um homem altamente sofisticado. Em essência: uma gueixa. |
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