HIBRIDISMO CULTURAL: exercício de alteridade, elucidação. Uma luz que atravessa as nuvens.

"O que me dói é que homens maus
A Ucrânia embalam com mentiras
E um dia a acorde o incêncio e o roubo.
Ai, isso sim é que importa!"  Tarás Shevchenko

Um caminho árduo...Que a Ucrânia - corajosa e digna - materialize seu sonho de Democracia e Independência


Tarás Shevchenko
Já não me importa...
É-me indiferente
Que eu morra na Ucrânia, ou algures,
Que alguém me lembre, ou me olvide
Sozinho entre as neves do exílio,
Ai, não me importa, não me importa!
Cresci no exílio, como escravo,
Pois, exilado morrerei
E tudo levarei comigo.
Não deixo nem um rasto leve
Em nossa Ucrânia tão gloriosa,
Em nossa pátria escravizada.
Não lembrará o pai ao filho,
Não lhe dirá: "Ai, reze, filho,
Pois, pelo amor que teve à Ucrânia,
Outrora, foi sacrificado..."
E não me importa que esse filho
Reze, ou não reze por minha alma.
O que me dói é que homens maus
A Ucrânia embalam com mentiras
E um dia a acorde o incêndio e o roubo.
Ai, isso, sim é que me importa !
1847
Tradução do ucraniano: Wira Selanski e Helena Kolody
(Antologia da Literatura Ucraniana. Rio de Janeiro. 1959)

Toda essa mobilização...  Pensar em como é letal defender uma ideia em um contexto tão complexo...  Correr riscos... para que "um dia a acorde o incêndio e o roubo. Ai, isso, sim é que me importa!


É inevitável um paralelo aqui, com nossas manifestações.  De país do carnaval e do samba, mais um status: País das Manifestações. Mas e daí? E depois?  A diferença é que na mobilização ucraniana, as pessoas sabem exatamente pelo que lutam e para onde querem ir.

Aqui, na maior parte, parece-me que queremos apenas o espetáculo, o efeito alucinógeno, o torpor.  Paradoxal?  Sim, são alienantes. 
Qual a causa? Falta de educação!  Qual a consequência desse vacilo secular, que insistimos em não corrigir? Mais 500 anos de torpor, alienação, maquiagem, ilusão, distração, carnaval e futebol.

Fui resgatar um estudo que fiz em 2012 sobre uma  interessante e inovadora proposta do MEC à escolas de fronteira: difundir o aprendizado do português e do espanhol por meio dos sistemas educacionais formais e não-formais, considerando como áreas prioritárias o fortalecimento da identidade regional, levando, dessa forma, ao conhecimento mútuo, a uma cultura de integração e à promoção de políticas regionais de formação de recursos humanos visando à melhoria da qualidade da educação.

A conclusão foi degradante: em toda extensão territorial brasileira, apenas 13 escolas aderiram ao programa... Iniciativas como essas são emancipatórias.  Esse tipo de ação - simples e eficaz - tem força para mudar todo o panorama de torpor e vacilo social no Brasil, mas inacreditavelmente não há adesão.  Novamente chego a conclusão: no Brasil a política pública é instituída para não funcionar.  E aceitamos, essa é a diferença entre mobilização brasileira e ucraniana.

Abaixo meu estudo na íntegra.

ESCOLA DE FRONTEIRA: “hibridismo” cultural, exercício de alteridade

O projeto Escolas Bilíngues de Fronteira, implantado em escolas latino-americanas desde 2005, visa difundir o aprendizado do português e do espanhol por meio dos sistemas educacionais formais e não-formais, considerando como áreas prioritárias o fortalecimento da identidade regional, levando, dessa forma, ao conhecimento mútuo, a uma cultura de integração e à promoção de políticas regionais de formação de recursos humanos visando à melhoria da qualidade da educação.

Oriundo de uma sensibilização bilateral entre Brasil e Argentina, motivada pelo Tratado de Assunção, assinado em 26 de março de 1991, firmado pelos países membro do Mercosul – Mercado Comum do Sul - Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Em seu artigo 23 declara o português e o espanhol como idiomas oficiais do Mercosul.

Através de entendimentos mediados pelo Setor Educacional do Mercosul –SEM foi aprovado pelos Ministros da Educação, no ano de 2001, em reunião realizada em Assunção-Paraguai, o Plano de Ação do Setor para 2001-2005.

A partir do pressuposto que as ações devam ser favoráveis à integração, valorização da diversidade e reconhecimento da importância dos códigos culturais e lingüísticos, por meio da educação, o programa fortalece-se e desdobra-se, com o objetivo de estreitar os laços na área educacional. Em 23 de novembro de 2003, foi firmada com a Argentina, a Declaração Conjunta de Brasília, “Para o fortalecimento da integração Regional”.

Nessa Declaração, a educação foi reafirmada como espaço cultural para o fortalecimento de uma consciência favorável à integração regional, passando-se a atribuir grande importância ao ensino do espanhol no Brasil e do português na Argentina. A partir deste momento equipes técnicas da Argentina começaram a elaborar uma primeira versão do programa nas suas linhas gerais e a pesquisar sobre aquisição e didática de segundas línguas e bilingüismo, bem como sobre temas de fronteira que conduziram à elaboração de um documento de trabalho que pudesse cristalizar os objetivos da Declaração Conjunta.

Esta nova Declaração incluía um Plano de Trabalho como anexo. O programa foi denominado “Modelo de ensino comum em escolas de zona de fronteira, a partir do desenvolvimento de um programa para a educação intercultural, com ênfase no ensino do português e do espanhol ” O programa de referência foi apresentado na XXVI Reunião de Ministros da Educação do Mercosul, Bolívia e Chile, realizada em Buenos Aires, em 10 de junho de 2004.

A referida Declaração dispõe implementar, dentre outras, a seguinte ação:

(...) desenvolvimento de um modelo de ensino comum em escolas de zona de fronteira, a partir do desenvolvimento de um programa para a educação intercultural, com ênfase no ensino do português e do espanhol, uma vez cumpridos os dispositivos legais para sua implementação.

CRUZAMENTO DE CULTURAS: um esforço binacional argentino-brasileiro para construção de uma Identidade Regional Bilíngüe e Intercultural no marco de uma cultura de paz e de cooperação interfronteiriça


Os diagnósticos sociolinguísticos realizados no âmbito do Programa desde meados de 2004 indicam que o corte mais característico e de maior interesse, num primeiro momento, para o trabalho das escolas envolvidas é o da diferença quantitativa e qualitativa da presença do português e do espanhol nas cidades-gêmeas1 em particular, e em toda a fronteira em geral.

Na fronteira argentino-brasileira há sete pares de cidades-gêmeas, algumas das quais envolvendo três núcleos municipais:
- Monte Caseros (Corrientes) – Barra do Quarai (RS)
- Paso de los Libres (Corrientes) – Uruguaiana (RS)
- La Cruz / Alvear (Corrientes) – Itaqui (RS)
- Santo Tomé (Corrientes) – São Borja (RS)
- San Javier (Misiones) – Porto Xavier (RS)
- Bernardo de Irigoyen (Misiones) – Dionísio Cerqueira (SC) / Barracão
(PR)
- Puerto Iguazu (Misiones) – Foz do Iguaçu (PR)
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1 Cidades que contam com uma parceira no outro país, propiciando as condições ideais para
o intercâmbio e a cooperação interfronteiriça. Na fronteira argentino-brasileira há sete pares de cidades-gêmeas.


O Programa foi apresentado e proposto pelo Departamento de Políticas de Educação Infantil e do Ensino Fundamental, através de visitas técnicas do MEC, às escolas localizadas na região de fronteira. As escolas interessadas manifestaram-se, enviando suas propostas. Foram definidas, a partir daí, duas escolas brasileiras localizadas nos municípios de Uruguaiana-RS e Dionísio Cerqueira-SC que fazem fronteira com as províncias argentinas de Corrientes e Misiones, respectivamente. Posteriormente, o programa estendeu-se a outras escolas, nos dois países:

No Brasil
Em outros países
Dionísio Cerqueira (SC) – 1 escola
Foz do Iguaçu (PR) – 1 escola
Uruguaiana (RS) – 1 escola
São Borja (RS) – 2 escolas
Itaqui (RS) – 1 escola
Itaqui – 1 escola
Chuí (RS) – 1 escola
Jaguarão (RS) – 2 escolas
Ponta Porã (MS) - 1 escola
Pacaraima (RR) – 2 escolas
Total – 13 escolas no Brasil

Em outros países
Bernardo Irigoyen (Argentina) - 1
Puerto Iguazu (Argentina) - 1
Paso de Los Libres (Argentina) - 1
Santo Tomé (Argentina) - 2
La Cruz (Argentina) - 1
La Cruz (Argentina) - 1
Chuy (Uruguai) - 1
Rio Branco (Uruguai) - 2
Pedro Juan Caballero (Paraguai) – 1
Santa Elena de Uiarén (Venezuela) 2
Total – 13 escolas nos 4 países

Enquanto que do lado argentino a presença do português é relativamente constante, fazendo parte do repertório receptivo, e em menor escala, produtivo de uma parte significativa das crianças das escolas de fronteira e de suas famílias, o inverso não é verdadeiro: os dados sobre o lado brasileiro não indicam a presença generalizada de crianças e familiares falantes de espanhol ou mesmo familiarizados com a compreensão daquela língua. Este dado tem consequências diretas para a atuação das escolas do Programa.

Após alguns meses de atuação das professoras em sala de aula, o programa passou a visualizar com muita clareza que, do ponto de vista do repertório linguístico dos envolvidos, atuava com dois públicos distintos: as crianças argentinas já são, em algum nível, bilíngues; entendem razoavelmente bem a língua portuguesa e muitas a falam com facilidade. Isso se deve ao fato de que muitos são descendentes de brasileiros. Além disso, têm uma maior exposição à língua através da mídia, maior frequência de estadia no Brasil e, eventualmente, em consequência destes fatores, nota-se uma maior disponibilidade da população argentina de fronteira para o aprendizado do português.

Para estas crianças e suas comunidades escolares o ensino bilíngue significa o reconhecimento de uma situação de fato, e significa avançar para possibilitar o acesso à forma escrita do português, paralelamente ou sequencialmente ao letramento em espanhol. A função social do português apresenta-se de maneira mais clara para as comunidades escolares argentinas envolvidas, pois, entre outros motivos, essa língua é utilizada no cotidiano, ou seja, é parte importante do repertório comunicativo local.

As crianças brasileiras das escolas envolvidas, ao contrário, são grandemente monolíngues em português, o que dificultou muito o trabalho das professoras argentinas no início do programa, porque muitos destes alunos não entendiam, muitas vezes, nem sequer os comandos mínimos necessários em sala de aula. Para o sucesso do programa verificou-se ser necessário, portanto, um período de „sensibilização lingüística‟ para as crianças brasileiras perceberem o porquê do aprendizado do espanhol e desenvolverem uma atitude positiva frente a este aprendizado. É neste período, coincidente com o primeiro ano de exposição à segunda língua, que a criança vai desenvolver o gosto e a vontade de aprender esta língua e vai perceber sua função social. Durante este primeiro momento foi fundamental o trabalho dos docentes para gerar nos alunos uma atitude positiva, e para obtê-la os docentes tiveram antes, eles mesmos, que compreender a função social desta aprendizagem.

O Programa tem como base o intercâmbio docente a partir da disponibilização de quadros já formados em ambos os países e que atuam nas escolas envolvidas. A unidade básica de trabalho, portanto, é o par de ‘escolas-espelho’, que atuam juntas formando uma unidade operacional e somando seus esforços na construção da educação bilíngue e intercultural.

Esta forma permite aos docentes dos países envolvidos vivenciarem eles mesmos, na sua atuação e nas suas rotinas semanais, práticas de bilingüismo e de interculturalidade semelhantes às que querem construir com os alunos, na medida em que se expõem à vivência com seus colegas do outro país e com as crianças das várias séries com as quais atuam.

O fato de o PEBF realizar-se sobre uma base escolar pré-existente, gerida por diferentes secretarias de educação ou ministérios provinciais faz com que não seja possível ou recomendável propugnar um modelo único para sua execução.

Concretamente, a discussão com as equipes conduziu à emergência de três formas para a organização das escolas:
1) Escola em Tempo Integral (Jornada Completa), com o ensino em L1 em um turno e o ensino em L2 noutro turno, a partir de projetos de trabalho binacionais, formulados de maneira conjunta, desenvolvidos pelas escolas-espelho concomitantemente, com tarefas específicas em cada língua. Nesse modelo há pelo menos dois dias semanais de trabalho em segunda língua e uma carga horária total de pelo menos 6 horas semanais, com possibilidade de ampliação, conforme a disponibilidade de espaços escolares adequados. Sendo uma escola de tempo integral, os alunos terão ademais das horas reservadas aos projetos em segunda língua, outras atividades e oficinas nos dias não destinados à educação bilíngüe.
2) Escola em Contra-Turno, com um funcionamento semelhante à Escola em Tempo Integral, mas somente com as atividade de educação bilíngüe intercultural no turno contrário.
3) Escola em Turno Único, com projetos de trabalho binacionais consensuados na escola, realizados de forma bilíngüe, com tarefas específicas em cada uma das línguas. Em dois dias por semana o ensino, ao exemplo de uma das escolas, é realizado em segunda língua dentro do próprio turno, num total de, no mínimo, cinco horas semanais com possibilidade de expansão para seis horas semanais.


RESSONÂNCIAS: constância e ajustes  




O Programa é uma parceria entre a escola argentina e a EEB Theodureto Carlos de Faria Souto

O Programa Bilíngue da Fronteira realizou na tarde desta terça-feira (24) um novo encontro de planejamento das atividades de 2012. A programação foi desenvolvida em dois turnos e aconteceu na parte da manhã, na Escola de Educação Básica Theodureto Carlos de Faria Souto de Dionísio Cerqueira e, na parte da tarde, na Escuela de Fronteira de Jornada Completa, em Bernardo de Irigoyen (Misiones), na Argentina.

O Programa é uma parceria entre a escola argentina e a EEB Theodureto Carlos de Faria Souto. Participam do projeto 166 alunos das séries iniciais, de 1º ao 5º ano, para promover o intercâmbio entre professores e alunos de países do Mercosul. Em Santa Catarina, o Programa é coordenado pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional de Dionísio Cerqueira. Duas vezes por semana, professores argentinos vêm ao Brasil e repassam conhecimentos em espanhol e professores brasileiros vão à Argentina para ministrar aulas de português.

Conforme a supervisora de Educação Básica e Profissional da SDR Dionísio Cerqueira, Silvane Prestes de Oliveira, a pauta da reunião incluiu a definição das metas pedagógicas para as turmas integrantes do projeto para os próximos dois meses, bem como a articulação da socialização das atividades que serão realizadas no encerramento do primeiro semestre. “Também foram definidas algumas diretrizes de apoio e transferência técnica/cientifica entre as escolas para ampliação dos projetos, possibilitando maior comunicação e fortalecendo a integração cultural”, disse-Silvane. 

Participaram do encontro os educadores responsáveis pelo projeto Bilíngue, no Brasil, Danieli Vargas, Fernanda Welter, Gessi Noronha dos Santos, Jucelia Dalpiaz, Vanderlise Ribeiro Alves e Sirlei Reolon; na Argentina, Dario Kibisz e Juan Carlos Dzkozky, além da assessora de direção da EEB Theodureto Carlos de Faria Souto, Nilza Schuergerti, do diretor da escola, Mauro Edvam Prado e as coordenadoras da Escuela argentina Fátima Zaragoza e Maria Teodora Rosa.

O Programa foi idealizado com o propósito de “demolir” as fronteiras, provocar o estreitamento das relações entre as culturas; [re] conhecer a história do outro, para conhecer-se.


E por falar em hibridismo cultural também penso em arte como força emancipatória e transformadora.  O belo trabalho de pesquisa da cultura Kaiwoas, feita pelo Sepultura, que tornou-se nome da quinta faixa do álbum "Chaos A.D" (1993).


O nome da canção faz referência direta aos Caiouás (Kaiowá), povo guarani cujas aldeias distribuem-se em partes da Argentina, Bolívia e partes do estado brasileiro do Mato Grosso do Sul.

De acordo com a banda: 


"Esta canção é inspirada por
Uma tribo indígena brasileira chamada "Kaiowas"
Que vivem na floresta tropical
Eles cometeram suicídio em massa
Como um protesto contra o governo
Que estava a tentar tirar a sua terra santa"

Para saber mais:                 


Talvez nós - civilizados - pudéssemos observar a atitude dessa gente: que sabe o que quer. A ingestão e digestão de outras culturas, talvez seja um caminho sensato. Na prática da alteridade, encontrar os meios para transformar/organizar nossa sociedade.

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